Ser corajoso significa viver com o coração. (Osho)
“Voar é um caos”. A frase – genial – é de uma grande amiga minha, ilustradora. Diz respeito às agruras de quem, de repente, tem a vida à disposição para fazer o que bem entender.
Você leu bem. É isso mesmo. “Fazer o que bem entender” é um privilégio de poucos. Há gerações que estamos sendo criados para viver uma liberdade bem meia boca.
Nascemos e quando crescemos um pouquinho já estamos na escola. Uma escola que não acaba mais. Estudamos, estudamos. Somos livres nas férias, no contraturno das aulas. Depois, trabalhamos e estudamos: somos livres nos intervalos, cada vez mais escassos. Seguimos trabalhando e estudando, trabalhando e trabalhando e sendo cada vez menos livres. Finais de semana, nem todos. Alguns feriados. Um mês de férias ao ano. E era isso. No resto do tempo, somos escravos do mundo, dos patrões, dos padrões e das expectativas, nossas e dos outros.
Para sobreviver a esse mundo posto, criamos uma persona – separada da nossa essência, geralmente – e essa persona fica solta por aí nos representando, vivendo em nosso lugar. Um profissional de respeito, uma mãe de família, um filho com futuro promissor. Personas que emergem das nossas pessoas e que vão seguindo o baile. As personas nos representam muito bem, até. Parece de fato que somos nós que estamos no comando da coisa toda, se por dentro não sentíssemos exatamente o oposto.
Somos livres, pero no mucho. E, ao mesmo tempo que essa falta de mobilidade cotidiana nos incomoda, nos protege. Vai se tornando cômodo deixar a nossa persona no comando e viver sem ter tempo, sem ter muita opção, sem ter muito espaço de escolha, sem pensar, sem sentir. Sem ter que definir os dias dia a dia, conforme o sol vai nascendo. É isso aí e pronto. Tá decidido. Uma rotina. Seguimos. A nossa persona vai se virando nos 30 e, quando temos lampejos de consciência, percebemos que não somos nada daquilo.
Reclamamos um pouquinho, sonhamos com uma vida diferente, queremos mais tempo, tomamos remédios, administramos depressão, ansiedade, gastrite. Desejamos, vez ou outra, jogar tudo pro alto e recomeçar. Mas recomeçar de onde? Então vamos seguindo, porque jogar tudo pro alto dá um trabalho danado, no fim. É mais fácil ir levando. Deixa a persona se virar enquanto a gente fica bem quietinho aqui dentro de nós, aparecendo pra dar uma espiada no mundo na hora de dormir e de acordar. Perdendo o sono.
Mas e o que será que existe quando a gente ultrapassa essas preliminares e de fato chega ao outro lado? O lado daqueles que têm a audácia de sair de trás da figura da persona e viver com o coração.
Alguns – loucos – têm a coragem de dar a cara a tapa e ir ver com os próprios olhos o que existe no final do arco íris. Despem-se das máscaras e vão de peito aberto descobrir quem de fato são: não mais como personas sociais, mas como seres únicos e individuais. Pessoas que começam o jogo do zero. Abrem-se às infinitas possibilidades de ser e de viver. Pessoas que se dispõem a voar. Só que voar não tem anestesia. Alguém avisou?
O que você faria se de fato pudesse escolher qualquer coisa? Pra onde você iria se de fato pudesse ir a qualquer lugar? Quem você é e do que você gosta? O que você sabe fazer? Quais são suas habilidades, seus talentos? E o que fazer com eles? Onde eles se encaixam no mundo? Onde você se encaixa no mundo? O que fazer com as 24h de cada dia? O que fazer com essa tal liberdade, meu Deus?
Voar é mesmo um caos.
Mas é um caos no bom sentido, se é que você me entende. Fora da zona de conforto é onde a vida acontece — um clichê inundado de verdade. E dá um trabalho danado sair da zona de conforto e viver. Viver de verdade, eu digo, sem uma persona administrando os dias por você, sem ter ninguém administrando nada por você! É bagunçado. É confuso! É libertador. E é assustador. “Viver é muito perigoso”, já dizia o Riobaldo em Grande Sertão Veredas.
Osho tem um livro foda que chama “Coragem: o prazer de viver perigosamente”, no qual ele já chega na voadora dizendo que um homem realmente vivo sempre se sentirá inseguro. Que a vida é um mistério imprevisível e ninguém sabe o que vai se passar no momento seguinte. Que não existe segurança. Ouviu? Não existe segurança! E a isso, a esse caos que é viver, ele dá o nome de LIBERDADE. Que ironia, não é mesmo.
Agora me diz: se não existe segurança, por que diabos a gente abre mão de ser quem é e de fazer de cada um dos nossos dias um dia foda em troca de uma “vida segura” — que não existe? Meio insano, me parece.
Não estamos acostumados a ser livres de verdade, eu repito. Mas a gente aprende, é só soltar — se soltar! Como diz uma frase de Instagram atribuída a Felipe Möller, escolha não é sobre qual caminho percorrer. Mas sim sobre ser dono do próprio caminho. Bingo.
Já que certezas a gente pouco tem e seguranças a gente tem nenhuma, ao menos que tenhamos coragem. Sejamos nós – e não as nossas personas – os donos das nossas escolhas.
Depois, eu sei lá o que você vai fazer com essa tal liberdade! Ela é toda sua e por isso mesmo ninguém vai decidir isso por você. Então, apesar de todos os medos, coragem!. Voar é assim mesmo: um caos.
Mas voe.
Porque só voar faz sentido.